Documentário sobre o Clube da Esquina é para quem se interessa pela musicalidade do movimento

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Estreado no Festival do Rio, o filme da diretora Ana Rieper dá o protagonismo aos irmãos Borges em roteiro que expõe a construção do som que abriu caminhos na MPB nos anos 1970. Lô Borges (à esquerda), Duca Leal, Márcio Borges e Milton Nascimento em imagem promocional do documentário ‘Nada será como antes – A música do Clube da Esquina’
Divulgação
Resenha de documentário musical
Titulo: Nada será como antes – A música do Clube da Esquina
Direção e roteiro: Ana Rieper
Produção: Paladina Filmes e Canal Brasil
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♪ Tudo já foi dito e escrito sobre o Clube da Esquina. Talvez por ter ciência da fartura de material sobre o movimento pop mineiro que abriu caminhos na música brasileira ao longo dos anos 1970, a cineasta carioca Ana Rieper seguiu outro caminho ao roteirizar e dirigir documentário sobre o Clube da Esquina.
Apresentado pela primeira vez na noite de ontem, 9 de outubro de 2023, dentro da mostra competitiva Novos Rumos Longa Metragem da Première Brasil da 25ª edição do Festival do Rio, Nada será como Antes – A música do Clube da Esquina é filme até certo ponto difícil.
A narrativa é lenta, pausada, porque o foco reside na musicalidade daquela turma gregária de amigos que se aglutinaram a partir de 1963, ano em que Milton Nascimento se muda para Belo Horizonte (MG) e vai morar no Edifício Levy, sede do apartamento da família Borges.
Ana Rieper se vale de encontros em estúdios, conversas em mesas de bar e passeios pelas ruas da capital mineira, entre outras situações, para mostrar sem pressa a língua falada por aqueles músicos que beberam de fontes como os Beatles, o rock progressivo, a religiosidade mineira, a música clássica, o jazz e o cinema para criar som original que revelou admirável mundo novo na música brasileira. O filme de Rieper é indicado para quem se interessa pela construção dessa linguagem musical que se tornou referência no universo pop nacional.
Motor do movimento fraterno que agregou amigos na casa dos Borges, nas esquinas de BH e depois no estúdio carioca que gerou o álbum duplo Clube da Esquina (1972), Milton Nascimento abre o filme dando voz à música-título Nada será como antes (1971), parceria de Milton com Ronaldo Bastos, em take extraído de programa Ensaio dos anos 1970.
Contudo, em opção ousada, Rieper dá aos irmãos Borges o protagonismo do documentário. Os relatos de Lô Borges e Márcio Borges atravessam o filme. A reunião dos irmãos Lô, Márcio, Marilton e Telo Borges em casa resulta especialmente significativa pela espontaneidade captada pela diretora. Na maioria dos takes, Ana Rieper deixa a conversa fluir entre os músicos em vez de tomar o depoimento deles de maneira mais formal (o que fez com Beto Guedes, dono de tiradas sinceras que injetam humor no roteiro).
E é assim, de forma natural, que o espectador sabe e sente como nasceram músicas da magnitude de Para Lennon e McCartney (Lô Borges, Marcio Borges e Fernando Brant, 1970), Um girassol da cor de seu cabelo (Lô Borges e Márcio Borges, 1972) – com direito a depoimento de Duca Leal, musa inspiradora da letra – e Equatorial (Lô Borges, Beto Guedes e Marcio Borges, 1979).
Nesse sentido, Nada será como antes – A música do Clube da Esquina é filme quase sensorial, baseado menos na visão das imagens (captadas sem um apuro ou brilho especial) e mais na audição do som tirado dos respectivos instrumentos por músicos como o baterista Robertinho Silva – hábil ao mostrar a africanidade que temperou a mineirice de Cravo e canela (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1971) – e o guitarrista Toninho Horta, que, entre um solo e outro, lembra que a música dos mineiros tem intervalos grandes que, na concepção poética de Horta, simbolizam os “contornos das montanhas” de Minas Gerais.
Entre acordes e lembranças, o filme mostra como o jazz do saxofonista John Coltrane (1926 – 1967) e do trompetista Miles Davis (1926 – 1991) foi influente na música dos mineiros. E como há parentesco inconsciente entre o som do Clube da Esquina e o do Genesis na fase progressiva do grupo britânico. “Parece muito, sem um ter ouvido o outro”, ressalta o saxofonista Nivaldo Ornelas.
Contudo, nem apenas de música se alimentou o movimento de músicos que se irmanaram na vida. “A música (do Clube da Esquina) veio como consequência do nosso envolvimento com o movimento estudantil e com o cinema”, sentencia Márcio Borges em raro momento de contextualização do movimento pop no roteiro do filme.
“Minhas músicas são sempre pedaços de filmes”, corrobora Milton Nascimento, que abriu a parceria com Márcio Borges no dia em que viu o filme Jules e Jim (1962) com o amigo.
Decorridos 60 anos, aquele encontro mágico no cinema ainda reverbera em documentário que segue por estrada às vezes acidentada, mas sem grandes tropeços, ao focar a música do Clube da Esquina.

Fonte: G1 Entretenimento